A pesquisa com fotografia no Museu Paulista: construção de banco de imagens e coleções de retratos

Conferência: A pesquisa com fotografia no Museu Paulista: construção de banco de imagens e coleções de retratos
13 de novembro de 2008 - 17h

Solange Ferraz de Lima
Museu Paulista e USP



Bom, boa tarde a todos. Eu agradeço muito o convite. Porto Alegre para mim mora no meu coração, porque eu tenho vários colegas aqui com quem eu compartilho o trabalho. E eu conheci a Chica, porque eu conhecia só a Cornelia, e agora eu conheço a Chica, e estou achando muito bom conhecer a Ana Luiza também que eu não conhecia ainda, então eu agradeço muito a oportunidade.

Eu ontem gostei muito de assistir a oficina e fiquei contente porque eu acho que o que eu vou trazer aqui para a discussão toca em muitos pontos do que foi tratado ontem. Eu acho que eu vou trazer aqui para a gente discutir a contrapartida que existe no mundo da web para banco de dados que vai um pouco em uma outra mão do que as instituições de pesquisa ou com os projetos comprometidos com o tratamento de acervo e a qualificação das fontes visuais vem fazendo, a exemplo do Biev e que nós tentamos também no Museu Paulista. Mas é um pouco para pensar em que contexto de web, de bancos digitais, nos estamos vivendo hoje em dia, o que torna mais desafiador ainda o nosso trabalho.

Bom, no âmbito dos temas propostos para o debate nesse evento, é oportuno refletir de modo mais abragente sobre o estatuto da fotografia no contexto dos arquivos, dos museus, bibliotecas, e de que forma ela pode ser mobilizada para a produção de conhecimento novo no campo das ciências humanas. Partindo das perspectivas da investigação social, para além das necessárias normas técnicas e protocolos de descrição, indexação, que viabilizam o acesso e a recuperação da informação, se faz necessário historicizar a própria condição e uso dos documentos fotográficos, antes e depois, isso é muito importante, da sua integração às instituições de preservação e difusão.  

Essa reflexão engloba também o lugar da fotografia nos bancos de dados eletrônicos, vinculados às ações preservacionistas e às pesquisas. Eu vou falar de um lugar, que é uma instituição visual que é um museu. Então eu vou dar um breve histórico, relembrar um pouco da fotografia nos museus de história, como ela foi sendo apropriada paulatinamente pelos pesquisadores, preocupados com a questão do imaginário, das representações. Eu estou falando desse lugar que é um museu de história. E eu vou tratar destas questões, portanto, tendo como horizonte duas categorias de bancos de dados e bancos de imagens. Os bancos institucionais, e aqueles bancos integrados a projetos de pesquisa, que tem esse compromisso ou que nascem derivados dessas ações da investigação social. A gente vê um pouco as diferenças deles, analisar junto com vocês essas diferenças.

Bom, sobre o lugar da fotografia no museu de história. De início a fotografia é valorizada exclusivamente por sua capacidade didática e ilustrativa, ou como documento que substituía a ausência eventual de textos escritos, hoje ela é explorada na qualidade de representação de temas como a cidade, a natureza, os gêneros masculino e feminino, a infância, bem como parte e suporte das formas de constituição da identidade do indivíduo. Nós vimos hoje na mesa exemplos desses trabalhos. Ao longo da sua trajetória a fotografia penetrou de maneira muito diferente nos museus de arte, de história e de antropologia, bem como nos arquivos. Dado o seu caráter híbrido e a sua quase onipresença no cotidiano das pessoas, as primeiras reivindicações de integração da fotografia no museu surgem associadas as reflexões que buscavam inserir a fotografia no campo artístico, ou seja, reconhecendo nela o estatuto de obra de arte. Movimento iniciado desde os primórdios do invento da fotografia, no século XIX essa discussão acompanha o surgimento e a trajetória da fotografia desde 1840, ele conheceu o seu ápice com a criação do departamento de fotografia do museu de arte moderna de Nova York em 1937, por iniciativa de Beaumont Newhall. O livro é um livro clássico, que é História da Fotografia do Newhall, na verdade é um livro que antes surgiu como um catálogo dessa exposição que ele organizou, fazendo uma espécie de estado da arte da fotografia naquele momento, da fotografia moderna. Ele estava associado a fotógrafos como Stieglitz,  Steichen, e conhece fotógrafos alemães também, e promove uma grande exposição em 1937, de onde surge este catálogo e que depois se transforma, numa outra edição, em livro. Então é a entrada pela porta da frente num museu de arte, da fotografia. Ou seja, é criado um departamento de fotografia, ele se torna o curador e enfim, tratando da história da fotografia muito dentro dos parâmetros da história da arte.

Se no contexto dos museus de arte a fotografia ingressou nessa qualidade de objeto valorizado por suas qualidades formais, ainda que exclusivamente associadas à autoria, bem dentro das categorias da história da arte, nos museus de antropologia e de história, a fotografia valia por sua capacidade narrativa e pelo conteúdo registrado. Por muito tempo, neste contexto, a fotografia desempenhou uma função instrumental na documentação de pesquisas de campo ou de registro catalográfico de acervos, como o caso típico do museu de história. No caso dos museus de história, muito embora as fotografias integrassem coleções e arquivos pessoais, isso vale para os arquivos também, os arquivos públicos, ela vem junto com coleções ou fundos de arquivos, junto com correspondências, diplomas, diários e demais documentos textuais, não havia a preocupação em dispensar a elas quaisquer tratamentos específicos de descrição e tampouco de conservação. Seria simplista explicar essa situação como fruto de um descaso ou da incompetência dos profissionais dos museus. Ela é fruto mesmo do estatuto que a fotografia gozava no âmbito das ciências humanas, que viam a imagem como uma expressão periférica dos fenômenos sociais, produzidos na dimensão política e econômica.

Essa é a situação corrente do uso da fotografia na primeira metado de século XX. O quadro se altera significativamente a partir do último quartel deste mesmo século, porém não sem problemas. Quando finalmente as ciências humanas se debruçaram sobre a fotografia, foi para entender a sua força indicial, associada às questões de manipulação e obliteração da "verdadeira realidade". O que hoje nós denominamos como representações, já na tentativa de relativizar o conceito monolítico de imaginário, era então visto como ideologia. Esse movimento de interesse teve início nos anos 60 quando começaram a surgir estudos voltados para os meios de comunicação de massa e para a indústria cultural. Nos anos 80, o mapeamento e descoberta de coleções fotográficas, especialmente de paisagens do século XIX, dispararam os preços da fotografia no mercado de artes e antiquariado. Esse movimento, a Denise tocou aqui no Centro de Preservação Fotográfica da Funarte, começa justamente nos anos 80, por uma iniciativa desse centro da Funarte, em fazer um grande diagnóstico das coleções fotográficas existentes, do patrimônio fotográfico brasileiro. Se tinha a idéia de que muitas dessas fotografias, do século XIX a maioria, estavam sendo vendidas para coleções no exterior, e esse diagnostico era uma tentativa de afinal se conhecer esse patrimônio. Esse trabalho contou com a participação pioneira do Sérgio Burke que naquela época estava associado a este Centro de Conservação e Preservação Fotográfica e foi um incentivo para que as instituições, museus, arquivos, começassem a ter ferramentas de tratamento, principalmente de conservação para as suas coleções e reconhecer o valor como patrimônio, como patrimônio brasileiro.

No esteio deste movimento, tem um encontro que é marcante, que foi feito no MIS em 1981, quando o Boris Kossoy era diretor do MIS, que reúne muitos destes curadores e instituições discutindo essa situação do patrimônio fotográfico brasileiro. E no esteio disso, ao longo dos anos 80, o que nós assistimos é uma produção de catálogos, um incremento editorial como álbuns faximilares, catálogos de muitas... uma publicação institucional mesmo, catálogos de muitas instituições que começam portanto a divulgar esse patrimônio "recem descoberto", que começa a ter uma atenção diferenciada. E se investe também na construção de uma história nacional e internacional da fotografia, mas essa história que é produzida, ela é uma história da fotografia ainda muito pautada nas categorias da história da arte. Então procurando identificar, inventores, os autores principais de cada movimento, seguindo, trabalhando com estas noções de obra, autoria e trajetória, bem próprios da história da arte.

A partir dos anos 90, o interesse de historiadores, antropólogos e sociólogos pela fotografia se vê bem alargado. Confluem os usos sociais e científicos que a fotografia vinha recebendo, com os novos paradigmas das ciências humanas, que colocaram a dimensão visual e material da sociedade de consumo ocidental no centro das reflexões epistemológicas. Novas histórias da fotografia começaram a ser escritas, de um ponto de vista que procura entender o como e seus efeitos, naqueles que produzem e naqueles que fruem a imagem. Tratava-se, portanto, agora de entender o papel social da fotografia no contexto de uma cultura visual contemporânea. Esse movimento todo, ele de alguma maneira está associado à esse preocupação, à crise da memória que o Charles fez referiencia hoje, mas que ao mesmo tempo sucita uma busca incessante, uma febre por memórias também, tocou diretamente num outro movimento que acontece entre historiadores, que é a formação de Centros de Memória, ou arquivos vinculados às empresas privadas, não só as instituições públicas, mas as empresas privadas também.

Alinhar ao centro

Essa formação de Centros de Memória, Museus e Arquivos Institucionais que se voltam para a salvaguarda de fontes materiais e visuais, e sua transformação em patrimônio cultural acontece, de uma certa maneira, valorizando muito mais a fotografia do que os outros acervos. Isso é um dado. Muitas empresas começam, no final dos anos 80, a contratar empresas de história - isso aconteceu muito em São Paulo, não sei se aqui em Porto Alegre também acontece - para fazer a história empresarial. Mas quando se propõe esse centro, muitas vezes o empresario ou o dono da industria, que quer fazer a sua história, e construir a sua memória, que na verdade significa firmar a sua identidade naquele presente, não quer tratar dos arquivos administrativos. Eles querem só a coleção fotográfica, que é mais ou menos o Chantilly, começa aei um processo muito problemático, de desvinculação muitas vezes das fotografias de seus arquivos ou fundos administrativos. Isso foi um movimento que nós assistimos também no esteio dessa valorização da fotografia.

A inserção do suporte fotográfico como quadro de preocupação dos profissionais envolvidos com a guarda e tratamento documental de acervos institucionais, sejam eles privados ou públicos, é hoje um fato inegável. No entanto, o reconhecimento da existência de massas documentais de natureza fotográfica, não vem sempre acompanhado do domínio, ainda que mínimo, daquelas noções conceituais e técnicas, capazes de garantir a integridade desses acervos. 

A fotografia deve ser entendida sempre como um documento pertencente a um conjunto maior e não necessariamente esse conjunto maior é exclusivamente fotográfico. Isso quer dizer que o seu potencial polissêmico não deve ser comprometido por ações descontextualizadoras, que muitas vezes acabam acontecendo neste centros. Separa-se, tira-se as fotografias às vezes de processos administrativos, de missões fotográficas, para se constituir alguma coisa baseada em critérios exclusivamente estéticos e associado um pouco a essa idéia de suporte de memória.

As fotografias, especialmente as ditas "antigas" guardam um fascínio que não poucas vezes serve de armadilha para os envolvidos com as atividades técnicas de conservação, restauração, organização física e catalogação. O valor estético, a raridade do tema, ou do processo técnico envolvido no processo fotográfico, aliados ao valor de antiguidade, criam em torno destas imagens uma aura, que ofusca a dimensao biográfica característica de todo documento. Com isso, fica-se tentado a ver o objeto fotográfico como autônomo, uma jóia rara, capaz de nos trazer de volta o tempo passado, como se esse fosse algo que estivesse ao alcance das mãos dos especialistas que para resga-los, bastaria reconstituir a integridade física do objeto fotográfico. Quando a fotografia é redusida à sua pura materialidade e conteúdo visual, ela se torna um fetiche, e os fetiches são objetos aos quais nós outorgamos um poder inerente. Ao ser deslocado da rede de relações sociais do qual ele é produto, esse objeto fetiche, ele perde a sua historicidade, torna-se autonomo, e passa a ter, como atributo próprio, os sentidos e as qualidades simbólicas que na verdade a sociedade um dia a ele conferiu.

A fotografia então, se a gente pensar nas suas várias dimensões, como um documento de arquivo, ou seja, produto de ações que visam o cumprimento de uma atividade, seja ela de natureza pública ou privada, ela é geralmente associada a documentos textuais e tridimensionais os mais diversos. Entnao pensem no acervo de uma secretaria de obras, nunca é só fotografia ou uma coleção fotográfica, mas está associado a processos, a uma série de outros documentos também. Contextualizar a fotografia significa manter o seu lugar de procediencia no quadro documental, refletindo a atividade que a produziu. Isso pensando a fotografia como um documento de arquivo.

Como documento de coleção, e aqui isso nos interessa particularmente, a fotografia é fruto de uma iniciativa pré-concebida, que visa a acumulação de um tipo de imagem, segundo critérios próprios da atividade colecionista. A fotografia de coleção também possui um contexto que é aquele estabelecido pelas práticas do colecionismo, aqui também tanto o privado como o institucional. Colecionar é uma prática que retira o objeto de um contexto para introduzi-lo em outro, agora regido por regras definidas por seu proprietário. Então pensem isso, tanto no colecionismo privado né... tem alguém aqui que coleciona? Então, você  retira e começa a montar sua coleção que tem critérios, tem pessoas que só colecionam cartões postais de meios de transporte, tem pessoas que colecionam coisas verdes, enfim... tem coleções... eu trabalho no museu, convivo com colecionadores, colecionam rótulos, aí só rótulos de produtos nacionais, isso são critérios que o colecionador estabelece. Nós podemos pensar um museu como uma instituição visual, como um grande colecionador também. Quando nós recebemos essas coleções privadas, o que acontece é uma transcendência do espaço privado para um espaço público, e nesse novo espaço, que é o museu, o grande colecionador, existem também políticas de acervo, regras, critérios, que o curador estabelece. A preocupação maior, quando se trata dessa fotografia de coleção, que é diferente do documento de arquivo, que tem lá uma acumulação chamada orgânica, é que muitas vezes, a instituição sobrepõe a esse arranjo inicial do colecionador, dado por ele, os interesses insititucionais e desmancha, ou se perdem as pistas do que era a organicidade dessa coleção primeira. Então quer dizer, acho que o grande desafio do curador começa por aí, conseguir trabalhar os critérios de sua instituição, sem contudo que isso aconteça em detrimento daquela biografia, daquela história que a coleção traz. Porque acho que é tão importante isso ao longo dos anos de trabalho meu e da Vânia recebendo coleções no museu paulista, isso foi se tornando uma questão cada vez mais importante. O ato de doar uma coleção, ele é tão importante quanto os objetos, esse sujeito, porque é a coisa mais comum num museu as pessoas chegarem com meia dúzia de documentos, é um diploma, um passaporte, um álbum de família e ele selecionou aquilo do seu universo doméstico, para fazer essa transcendência, por alguma razão, ou é uma homenagem à família, ou a seu pai. É uma maneira de tornar público uma parte da memória, da vida dele e nós não podemos perder essa procedência e temos que documentar, portanto, não só o objeto que chega, mas como ele chega. Quais são as motivações que fizeram com que aquele doador, que se torna o doador de uma coleção para nós, quais são as suas motivações? Porque ele escolheu esses objetos para pertencer ao museu? Quer dizer, isso para nós é tão importante quanto, e a responsabilidade é muito grande, porque ele está nos dando isso para que a gente continue cuidando de alguma maneira. Por isso que eu falo dessa biografia, sai de uma coleção, sai de um lugar, de um espaço, e vai integrar uma outra, como coleção também né, nesse museu como um grande colecionador.

Daí a importância dos curadores deixarem muito claros os critérios de coleta que norteiam a formação de seus acervos. Estes devem estar afinados com as questões colocadas nas áreas de pesquisa da instituição. Como um produto da sociedade, no seu sentido mais amplo, a fotografia não é nem sequer uma imagem, mas ela é um artefato, que só pode ser compreendido em sua dimensão histórica. Isso significa acompanhar a trajetória do objeto fotográfico, essa chamada biografia, para que possamos então entende-la como produto e também como agente de práticas culturais. No entanto, a biografia do objeto-documento, não deve destruir a biografia do sujeito da coleção, isso que eu estava me referindo a pouco. As diversas situações em que o objeto deve ser estudado não podem implicar a sua retirada do conjunto do qual faz parte, já que este conjunto é também fruto de uma prática cultural de natureza biográfica.

Tendo isso como pressuposto no qual eu acredito e nós praticamos no museu paulista, eu queria analisar com vocês um pouco a existência dos bancos de dados eletrônicos e o que significa esse contexto de descontextualização, na verdade, que toda essa valorização da fotografia trouxe também, quer dizer, o outro lado da moeda.

Se nos anos 80 assistimos ao movimento inicial de preservação de acervos públicos e a sua difusão editorial, e nos anos 90 este movimento começa a dar seus primeiros frutos acadiemicos. No novo século são os bancos de dados que aparecem como potencial para alterar significa e definitivamente a nossa relaçnao com as imagens visuais em geral, em particular com as fotografias. As formas de colecionismo digiral e seus modos de difusão guardam alguns problemas que já existiam antes da história da fotografia, dentro do quadro de formação da cultura fotográfica contemporânea. Na condição de historiadoras e curadoras voltadas para os problemas da visualidade, com projetos de curadoria e pesquisa desenvolvidos, que eu tenho desenvolvido junto com a Vânia Carneiro de Carvalho, nos defendemos a necessária ampliação dos usos de um banco de dados, não só para alimentar e sucitar pesquisas que envolvem series documentais maciças, como e principalmente, ser um repositário dos resultados dessas pesquisas de modo a garantir a qualificação permanente de fontes e suas trajetórias depois de integradas e apropriadas por pesquisadores e cientistas sociais. essa relação solidária, e nós num artigo, nos Anais do Museu Histórico Nacional de 2000, nós tratamos exatamente disso, quer dizer, uma defesa para uma relação solidária entre a curadoria e a pesquisa, e a Zita tratou disso no começo, essa necessidade do retorno, quer dizer, o pesquisador faz alguma coisa, seria importante que ele retornasse esses resultados, porque nem sempre o curador tem o domínio total de todas as suas coleções, ou a comrpeensão de todos os temas que estão sendo tratados ali. Na medida em que ele atende e pode disponibilizar para os pesquisadores este acervo, o melhor seria que estas pesquisas produzidas pudessem se integrar, e o banco de dados é um espaço para isso, a vida, a biografia desse documento depois de integrado a um acervo institucional.

Esse seria, nos parece, o caminho mais profícuo ara promover um olhar crítico em relação a abundância de imagens transferidas para o meio digital, circulados na web, na maioria das vezes de modo descontextualizado. Com o intuito de tornar essa problemática mais concreta, proponho aqui então uma análise rápida, bem exemplar do que seriam esses bancos de dados.



A ferramenta de busca mais comum aos bancos de imagens, que todos aqui já fizeram uso, é esse descritor ou a palavra-chave. Essa é uma poderosa ferramenta de recuperação da informação visual, que privilegia o conteúdo visual e temático em detrimento de outros aspectos do documento visual. Especialmente no caso do documento fotográfico, cujos exemplos eu pretendo aqui analisar. Ao privilegiar o conteúdo temático essa ferramenta promove uma perigosa descontextualização, que acontece em níveis distintos, desde o deslocamento da fotografia de suas condições de produção, até dos contextos de uso, passando pelo apagamento de séries, missões fotográficas, coleções e arquivos aos quais as fotografias foram ou estão implicados.



A contrapartida dessa tipologia de banco de imagens, são os bancos que nasceram associados à projetos de pesquisa, ou aqueles vinculados a instituições vocacionadas e comprometidas com a pesquisa, e que tem condições de incrementar seus catálogos digitais com os resultados dessa pesquisa. Trata-se de um caminho alternativo, com poucos e promissores exemplos, mas tem um lado meio utópico, que a gente esbarra com vários problemas também.



Para a gente começar com esse estudo de caso aqui, eu queria só mencionar de onde me veio um pouco a idéia de fazer esse balanço de banco de dados, até em função... nós estamos na mesma situação hoje que o Biev, de transferência para uma base de software livre. A gente vai trabalhar com o MySQL e vai significar fazer tudo de novo, tem um amigo meu fotógrafo que trabalha no mundo digital, quando nós fotografamos a coleção Militão Augusto de Azevedo, 12 mil e poucos retratos em 1996, o arquivo salvo foi em bmp. Jpeg já existia, mas não para pobres mortais do terceiro mundo, a gente consegui salvar em bmp. Isso significa que hoje nós vamos ter que redigitalizar todo esse acervo. A sorte é que na época nós fomos conservadores e temos o cromo de todo esse material, então não precisaremos voltar aos originais, que estão lá preservados. Mas é um pouco o preço que se paga quando você se arrisca nessa seara e lida com essa obsolescência programada, que é o mundo hoje em dia da informática. Mas enfim, faz parte, ossos do ofício, vamos lá, vamos fazer tudo novamente, não tem problema nenhum, não vamos desistir.

Mas, por conta disso, então a gente tem sempre olhado os bancos, os similares, os mais diveros, e tem um artigo muito interessante de uma arquivista australiana chamda Joanna Sassoon, e esse artigo está num livro da Elizabeth Edwards sobre a materialidade dos objetos fotográficos, e o título do artigo é "photographic materiality in the age of digital reproduction", e ela faz aqui uma brincadeira, porque ela dialoga o tempo todo com o texto do Walter Benjamin "A fotografia na era da reprodutibilidade técnica", então ela vai justamente tratar da mesma questão, ela começa dialogando com o Benjamin, para falar do que acontece hoje quando a fotografia passa a integrar esse mundo digital.

Alinhar ao centro

E a sua crítica é uma crítica muito contundente no que se refere a essa descontextualização, e ela chama a atenção para o processo crescente de comodificação ou de mercantilização da imagem né e que a gente sente em vários níveis, não só na questão dos direitos autorais, o que você tem que pagar, até quanto custam as coleções hoje, e quem pode comprar as coleções. É um problema político, estamos tratando disso, gerenciamento de informação, e quem tem poder para deter acervos e a informação sobre esses acervos.


Pierre Verger: a escrita do Outro com imagens

Conferência - Pierre Verger: a escrita do Outro com imagens
14 de novembro de 2008 - 17h

Conferencista Jérôme Souty (EHESS França e UERJ Brasil)


Eu quero falar aqui da representação do outro nas imagens de Pierre Verger, do uso que ele fez das imagens na suas pesquisas (pesquisas etnográficas sobretudo, mas também históricas), no seus álbuns ou livros, e da articulação entre as fotos e a escrita para a produção de um saber.

Como vocês provavelmente já sabem, Pierre Verger foi um fotógrafo nos anos trinta e quarenta, e ele também virou progressivamente etnógrafo, etnólogo, historiador e mesmo botânico.... Nasceu em 1902 e foi criado numa família da alta burguesia parisiense. Logo rejeitou as influências exteriores, tão sociais como culturais ou estéticas. Teve uma juventude rebelde. Queria ressaltar o fato que ele foi um autodidata, tanto na fotografia como na antropologia. Não recebeu formação universitária.



No inicio dos anos 1930, Pierre Verger começou a prática fotográfica como fotógrafo independente, livre de qualquer compromisso, seja artístico, jornalístico ou cientifico. Ele era membro de uma agência fotográfica (Alliance Photo, a matriz da Magnum que contou também a colaboração de Frank Capa, David Seymour, Henri Cartier Bresson...), mas ele não trabalhava sob encomenda dessa agência, ou muito pouco. Além disso, estava sempre em grandes viagens ao redor do mundo, longe da sede da agência, em Paris.
Desde o inicio da sua prática fotográfica no início dos anos 1930, ele se interessa pouco pelos monumentos ou pelas paisagens. São as pessoas que captam toda a sua atenção. Ele fotografa sobretudo as manifestações culturais, as festas populares, a arte de viver no cotidiano. 
Depois de 10 anos de viagens no mundo inteiro como fotógrafo independente, ele vai passar alguns anos, de 1942 à 1946, nos planaltos dos Andes, entre o Peru e a Bolívia. Baseado em Cuzco, ele trabalha como fotógrafo para o museu Nacional Peruano (de Lima). Focaliza a sua atenção nas manifestações religiosas e festivas dos índios: em particular as danças, as festas, os trajes... É aqui que ele vai realmente começar a desenvolver um olhar mais etnográfico. [2 fotos Peru & Bolívia, 1942-46]

Mas é sobretudo a partir da sua descoberta das culturas afro-brasileiras do Nordeste (ele chega em Salvador/Bahia em 1946), que a fotografia se tornou um precioso instrumento de suas investigações documentais e etnográficas.
Depois dessa data de 1946, a quase totalidade das fotos tiradas são dedicadas ao mundo afro-americano e africano. Em 1948, depois de passar dois anos em Salvador, ele vai no Benim e Nigéria para fotografar, e também pesquisar a matriz dos cultos afro-brasileiros...
Finalmente, Verger dedicou cinqüenta anos de vida (de 1946 até a sua morte 1996) ao estudo das culturas da África do Oeste e suas diásporas religiosas no Brasil (em particular o candomblé em Salvador, mas também o xangô em Recife e a Casa das Minas em São Luis) e, em medida menor, nas Caraíbas (a santería em Cuba, o vodu no Haiti). 
No Brasil, ele foi iniciado ao candomblé de Salvador e assumiu certas responsabilidades honoríficas. Na África yoruba, depois de um longo processo de iniciação ao sistema de adivinhação do Ifá, virou Babalaô, mestre do segredo, guardião do saber oral yoruba. Na África foi iniciado também em algumas sociedades secretas masculinas? No Brasil na sociedade dos Eguns, os espíritos dos mortos.
Pelas imagens, pela escrita ou pela fala, Verger sempre destacou a força de resistência e de adaptação das culturas negras. Ele deu a ver o que as culturas africanas preservaram e reinventaram no Novo Mundo: as manifestações culturais e religiosas, a arte de viver. Ele sempre defendeu os valores sociais e psicológicos ligados às religiões politeístas: ausência de proselitismo e da dicotomia bem/mal; auto-estime dos adeptos; múltiplos processos de identificação, pluralidade das mediações, etc. 
[2 fotos de dois de seus ’’iniciadores’’ no Brasil (Mãe Senhora) e no Nigeria (Oluwo Ojo Awo)]



 
Uma representação fotográfica do Outro radicalmente nova
Quando Verger começou a fotografar, nos anos trinta e quarenta, a fotografia era ainda amplamente utilizada como uma ferramenta da antropologia física de caráter racista. As fotografias antropométricas eram muito utilizadas para descrever e a classificar as populações e as ‘’raças’’ do mundo, os tipos humanos. São imagens que afastam o sujeito da sua essência humana e que reduzem ele ao mero estatuto biológico, ou à suposta  condição de ‘’inferior’, de ‘’primitivo’’. Nessa época, a fotografia servia também para constituir uma série de imagens exóticas e pitorescas, de cartões postais, que promoviam a ideologia colonial. Estou falando de um contexto geral: claro que tinha exceções, existia fotógrafos mais “humanistas”.

É notável que, desde o início da sua prática fotográfica, Verger se colocou na contra-corrente destas representações fotográficas ‘’científicas’’ do outro. Suas imagens não revelam o olhar frio, classificador e naturalista da antropologia da época. Elas são também a contra-corrente das representações colonial do outro: rejeitam conotações pitorescas, exóticas ou condescendentes.  
Ao contrário, Verger mostra uma empatia profunda em relação ao sujeito fotografado. Pois, muitas vezes ele compartilhou de perto a existência e a amizade daqueles que fotografava. Para ele, eles foram muito mais do que meros objetos de estudo ou de fotografia. [foto de Verger numa aldeia na África]
Suas fotografias traduzem um olhar sensível e cheio de curiosidade.
Não há mise-en-scène de uma alteridade inacessível. Verger dá a ver uma alteridade enriquecedora e ‘’assimilável’’. Não existe uma representação da distância ao outro, mas, ao contrário, uma tentativa de se aproximar do outro, de torná-lo mais próximo. 
Na verdade o tipo de representação do outro nas imagens de Verger é muito ligado ao tipo da interação que ele desenvolveu, no campo, com as pessoas que ele fotografava. Além da participação de longa duração e a empatia que já falei, Verger usava um tipo de aparelho (o Rolleiflex) que deixa livre o olhar e favorece o diálogo visual, a interação dos olhares entre o fotógrafo e o fotografado [fotos Bolívia 1942, Vietnam 1939, Haiti, 1948]. Com a sua função de mensageiro entre Brasil e África, Verger fazia um uso relacional da fotografia, mostrando as imagens aos membros separados de uma mesma cultura, nos dois lados do Atlântico. A fotografia foi para ele muito mais que um mero instrumento de coleta, que uma caderneta de notas visual, que um diário visual, ou mesmo que um produto artístico. A fotografia entra em ressonância com a cultura oral, suscita muitas reações, facilita a troca de informações. Nesta foto construída em “abismo” [Benim, fim dos anos 40] pode-se ver as reações de curiosidade, de alegria, de felicidade.



Verger quebrou os códigos etnográficos de registro fotográficos: 
- O sujeito existe por ele mesmo: não é o representante anônimo e impessoal da sua ‘’raça’’ ou da sua cultura. As personagens aparecem com as suas singularidades individuais irredutíveis. [2 fotos, Benim, Haïti]. Por exemplo, às vezes as imagens priorizam a beleza plástica de um indivíduo. [2 fotos, Benim]
- As personagens estão muitas vezes descentradas da imagem ou até mesmo fora de campo visual principal.  Isto reforça a impressão de autonomia dos sujeitos.  [foto, dança para Heviosso (Fons), Benim, anos 40]
- O sujeito não posa, não está parado: as imagens são dinâmicas. A mobilidade do fotógrafo e a instantaneidade em relação ao evento fortalecem o realismo das imagens. 
- Os corpos estão em movimento, em ação, quase nunca estáticos: corpos em festa (dança dos sambistas, febre do carnaval), em êxtase (o transe de possessão), no trabalho (pescadores tirando as redes, carregadores do porto…). [foto, Salvador, 1952; Santería, Cuba, 1948]
- Os ângulos de tomada são novos (plongée, contre-plongée) e múltiplos [foto capoeira. Salvador, anos 40]
- A fotografia não busca necessariamente mostrar todos os elementos da cena, nem apresentar de maneira exaustiva as informações. Ela dá a ver um ambiente ou uma qualidade de clima social. Ela sugere a atitude, o jeito de ser do outro, às vezes a partir de um detalhe, de um movimento delicado, de um olhar carregado de emoção. [foto, Mali, 1935]
Podemos afirmar que Verger participou amplamente da renovação do olhar eurocêntrico sobre o homem negro, ele mudou a representação fotográfica do homem negro. Talvez pela primeira vez na história da fotografia, não é mais um olhar de homem branco sobre Negros, mas o olhar de um indivíduo sobre outros seres humanos. 



Arquivo, classificação e base de dados
Em La Chambre Claire, Roland Barthes já explicava que “a fotografia mostra imediatamente a soma de ‘detalhes’’ que é o próprio material do saber etnológico. Por exemplo, se eu amplio/aumento esta fotografia (ou se eu a observa de perto com muita atenção), vai aparecer um detalhe antes invisível: um brinquinho na orelha desse bebê; e com isso entendemos que é uma menina [foto Benin, anos 50]
As fotografias de Verger possuem freqüentemente uma potente carga documental. Mostram um número importante de informações (sobre rituais, festas, artesanato...). Elas permitem a observação dos detalhes e a percepção fina dos gestos. Vistas separadamente são de grande densidade etnográfica. Mas, além disso, uma vez integradas num corpus fotográfico, elas constituem um rico instrumento de análise etnológica. Assim, a partir de 1946-48, as fotografias do mundo africano e afro-americano, serão indexadas e organizadas com cuidado, formando um vasto corpus que permite a análise comparativa entre o mundo yoruba e fon (na África) e suas diásporas nas Américas. Nesse momento, a obra fotográfica de Verger se transforma num trabalho, numa empresa de arquivo visual, na constituição de um acervo quase exaustivo.
Este acervo fotográfico, que hoje está na fundação Verger (Salvador), constitui uma formidável base de dados comparativos sobre as culturas oeste africanas e a suas diásporas. 62 000 fotos, quase todas em preto e branco.
    O tipo de classificação que Verger fez dos seus arquivos fotográficos foi essencialmente geográfico, às vezes também temático, mas nunca foi cronológico (ele não datava as fotos). Na elaboração desta classificação, ele se inspirou, por parte, do seu método empírico de fotógrafo viajante. Não adotou necessariamente uma taxonomia científica rígida e exclusiva que seria dependente de critérios estritamente etnográficos. Classificou suas fotografias para utilizá-las e em função de uma temática aberta, que não exclui agrupamentos de acordo com afinidades estéticas ou subjetivas. O tipo de classificação da fototeca inspirou-se mais na classificação de uma agência fotográfica do que na tipologia de um museu etnológico. [Série 4 fotos homens adormecidos] em Salvador e em Recife, a série dos “dormeurs”, se fosse na fototeca do Musée de l’Homme em Paris, seria incluído no grupo types et vêtements. 
    Muitos etnólogos sociólogos, historiadores, utilizaram as fotografias de Verger: Alfred Métraux, (também fotografava, muitas vezes preferia as de Verger para ilustrar os seus artigos ou livros sobre Haiti), Roger Bastide, Gilbert Rouget, Manuela e Mariano Carneiro da Cunha, Lydia Cabrera, Gilberto Freyre, etc. 
    Essas imagens vão também enriquecer os acervos de museus. No Musée de l’Homme, em Paris, a partir dos anos 1930, as fotos de Verger (que foi fotografo benévolo do museu entre 1932 e 1937) vão também servir em exposições etnográficas).  

Passagem da imagem a escrita. Nova articulação entre a imagem e a escrita
Fotógrafo antes de ser etnólogo, Verger atribuía inicialmente uma autonomia completa à imagem. Ela é auto-suficiente, não precisa de comentários ou de interpretação. Funciona num registro diferente daquele da escrita. A foto era para ele um meio ideal, não verbal, para mostrar sem explicar.
No início dos anos 1950, após suas primeiras investigações na África sobre a origem dos cultos candomblé, Verger simplesmente não entende que o pesquisador Théodore Monod (na época diretor do IFAN em Dakar) não se satisfaz com o lote importante de fotografias que lhe entrega, resultado visual do seu trabalho de campo (e justificativa da sua bolsa de pesquisa). Nessa época, tudo o que ele tem a mostrar está inscrito nas suas fotografias. Ele confia, sem explicações, nas virtudes documentais da fotografia e não tem nada a acrescentar por escrito. 

Mas, depois, querendo mostrar a fidelidade africana dos cultos brasileiros, ele vai utilizar a imagem de maneira cada vez mais organizada e de maneira cada vez mais didática. 
  -mais organizada: por causa da sua preocupação de exaustividade e de cientificidade, ele deve antecipar as suas necessidades fotográficas e premeditar as tomadas de vista (por exemplo, obrigação de fotografar cada um dos principais orixás e os seus atributos, tanto na África como no Brasil). 
  -mais didática: ele vai operar uma montagem adequada das imagens, legendando as suas fotografias, escrevendo os textos que as acompanham. O ensaio fotográfico, logo aparece como a forma mais adequada para construir uma narrativa ao mesmo tempo visual e escrita, e para dar uma melhor coerência ao corpus visual. Verger vai criar uma articulação texto-imagem original e inédita. Nos seus álbuns, a articulação das fotos com os textos vai muito além da simples ilustração. Acoplados, montados, interpenetrados, imagens e palavras produzem um sentido, uma narrativa. Há uma coesão da montagem, ida-e-volta e congruência entre o verbal e o pictural, entre o que diz o texto e o que mostra as imagens.

A publicação do álbum Dieux d’Afrique em 1954 (pela primeira vez, Verger é o autor dos textos que acompanham as suas imagens) e sobretudo a longa redação das Notas sobre o Culto em 1957 (600 páginas de descrições etnográficas densas...) e o momento chave desta transição. Obrigado a escrever, Verger vai perder a liberdade do artista que tira fotos sem compromisso, sem idéia pré-estabelecida. Ele vai perder essa disponibilidade, o que ele chamava de “fotografia pelo inconsciente”, que fazia o charme, o estilo das suas imagens iniciais. Cada vez mais o serviço de... Vai diminuir muito a sua produção imagética nos anos 1960, e ele vai parar definitivamente a fotografia em 1982. 

A comparação pela imagem 
Verger desenvolveu um trabalho metódico de comparação visual sobre as culturas negras na África e no Brasil. 
Em alguns álbuns como Dieux d’Afrique (1954) ou Orixás (1981), ele mostra as semelhanças culturais e religiosas entre os dois lados do Atlântico, através de uma série de fotos colocadas lado à lado, em espelho.
São muitos dípticos, colocados em página dupla, compostos de uma fotografia africana e uma foto brasileira. Às vezes, o negativo de certas imagens foi invertido a fim de acentuar o efeito de espelho..... Essa distribuição cria um diálogo visual. A justaposição visual convida imediatamente à fazer uma comparação. 
[foto do Orixá Xangô, Ouidah/Salvador. Foto Transe, Benim/Salvador]
     As semelhanças e as permanências se destacam com clareza. Assim se apresenta a proximidade dos cultos yoruba e baianos: dos rituais e dos orixás, dos objetos e acessórios e mesmo das posturas, dos estados corporais e das expressões dos rostos.
     Essa justaposição é também um convite “a procurar o erro”, localizando as diferenças, as nuanças e as adaptações. Além de algumas mudanças do ritual ou das representações de cada orixá entre a África e o Brasil, também pode-se observar diferenças de ordem mais geral. Assim, as cerimônias africanas são principalmente públicas, no exterior, ao ar livre e na luz do dia; enquanto os rituais brasileiros parecem ter um caráter mais privado, freqüentemente acontecendo em espaços fechados. No Brasil, observa-se também uma simplificação das formas, da decoração e das ornamentações; tem algumas diferenças nas danças rituais; as cores de pele são um pouco mais claras, etc.  
[2 fotos adivinhação com noz de palmeira/África, com noz de Kola/Brasil]
[2 fotos de mulheres caindo no santo e ajudantes Arica/Brasil]
 
Nota-se que Verger estabelece também comparações visuais entre os Yoruba/Nago e os Fon/jeje, mas às vezes identificando os Yorubas africanos com seus descendentes Nagô do Brasil.  

Em seguida, esta técnica de demonstração pela imagem vai ser incluída em numerosos livros e álbuns:
    Em particular: Orixás, Deuses iorubás na África e no Novo Mundo (1981). E a versão revista e completada de Dieux d’Afrique, com muito mais detalhes. A parte feita no Brasil é ampliada. As informações são incluídas de maneira mais didática. As fotografias, mais numerosas, e freqüentemente acompanhadas da sua série, são também menos expressivas.
    Na obra coletiva Da Senzala ao Sobrado (1985), livro menos conhecido. a contribuição de Verger é dupla. As suas fotografias ilustram os textos do Manuela e Mariano Carneiro da Cunha sobre a arquitetura brasileira no Nigéria e no Benim. Ele também organiza um “ensaio fotográfico”: as numerosas fotografias apresentadas tratam da influência arquitetural brasileira (sobrados urbanos e casas rurais) nas cidades yoruba da Nigéria. Imagens são acompanhadas de curtas legendas explicativas que formam uma relação narrativa entre as imagens ou entre os blocos de imagens. O tipo de paginação e de distribuição das fotos constitui um início de interpretação que participa da intenção de demonstrar a importância e a unidade da arquitetura brasileira no Nigéria. [Foto de sobrado, Ibadan]
    Nota-se que este princípio de oposição visual a África/Brasil que favorece as identificações por justaposição e comparação visuais, será utilizada em numerosas exposições e álbuns organizados após a morte do fotógrafo. De fato, o princípio é aplicável a uma vasta gama de temas: objetos de artesanato, instrumentos de música, trabalhos e técnicas, gestos, expressões faciais e retratos, cenas da vida diária...  
[-2 fotos acarajé Ouidah/Salvador ]
[-2 fotos dockers Dakar/Salvador]
[4 Fotos atabaques: Culto aos orixás no Benim, Candomblé em Salvador, Casa das Minas em São Luis do Maranhão, vaudou em Haiti)]... e poderíamos assim continuar com outras fotos da Santería em Cuba, do Batuque em Porto Alegre.


Séries e seqüências de imagens 
A idéia de série narrativa é largamente procedente da foto-reportagem. Uma reportagem consiste em contar uma história com várias fotografias. Verger, que foi também fotoreporter desde o início da década 1930 até 1960, dominava a técnica narrativa pela imagem (O Cruzeiro). Mas, a partir do fim dos anos 1940, a fotografia de Verger torna-se sobretudo documental e o tipo narração que se aplica no campo da etnografia não é o mesmo. 

Nas fotografias feitas sobre os cultos africanos e afro-brasileiros, a série adquire uma dimensão demonstrativa, uma função científica. As fotografias em série, publicadas em livro-álbum, permitem sobretudo figurar as etapas do ritual, a sua progressão, o seu caráter dinâmico. Elas permitem decompor o ritual em unidades compreensíveis. Para o espectador, a fotografia única tem apenas um sentido estético ou informativo no primeiro grau etnográfico. Uma fotografia isolada de um ritual dá uma visão parcial, fragmentada. Ao contrario, multiplicar os pontos de vista de maneira diacrônica e situar os acontecimentos no espaço e o tempo permitem dar uma visão mais global do ritual. Apresentadas em série coerente, as fotografias podem adquirir um significado, uma inteligibilidade nova. 
A montagem adequada de séries de fotografias privilegia assim a elaboração de um sentido etnográfico e permite constituir uma forma de fotografia-linguagem, que as legendas ou os comentários apóiam. Trata-se de uma espécie de “romance-foto” que comunica uma idéia da estética do ritual, da mise-en-scène, da sucessão dos episódios, da relação dos protagonistas entre si, com o público, com os músicos, etc.

Freqüentemente, as legendas conectam uma imagem à outra, às vezes por meio de pontos de reticências. O comentário se apóia na imagem, e vice e versa. Por exemplo, a iniciação é descrita graças a uma série de imagens emblemáticas e as legendas permitem esclarecer a sentido e a ordem das seqüências visuais.

Dentro de uma série, o fotógrafo utiliza às vezes métodos específicos, como o plano campo/contra-campo, para acentuar a dinâmica visual e quebrar a impressão de linearidade. [3 fotos com o Orixá Xangô na África]

Verger usou também uma técnica de montagem paralela ou ’’cruzada’’ de duas séries de fotografias de um ritual similar na África e no Brasil. Duas (ou três) séries são misturadas em um único bloco narrativo que mostra o desenvolvimento de uma seqüência ritual. Isto é, na mesma seqüência, reuniam-se imagens fotografadas na África (às vezes em vários lugares) e no Brasil. Ainda para apoiar essa idéia de similitude/fidelidade entre África e Brasil. [3 fotos em série num santuário africano]
       
As séries de fotos de Verger mostram que os rituais afro-brasileiros são também performances artísticas e que o corpo humano está no centro desse dispositivo (danças, percussões, cantos, possessão ritual…).

Queria também enfatizar o fato que a sensibilidade do fotógrafo pode alcançar essa dimensão artística fundamental do ritual, uma dimensão que torna possível a eficácia simbólica dos rituais. Quero dizer aí que não tem oposição, entre sensibilidade artística e conhecimento cientifico, bem pelo contrario.
       
       
Fotografar o ritual. A busca da foto simbólica
A observação vivida ou o cinema permitem acompanhar o desenvolvimento de uma seqüência, e ver a dimensão diacrônica do movimento. Mas Verger, que participou várias vezes nas montagens de filmes documentários, considerava freqüentemente a imagem parada como mais interessante que a imagem animada. Esta, pela sua rapidez, nem sempre permite perceber o detalhe. Nas imagens animadas se sucedem as impressões visuais fugazes, uma anulando imediatamente a precedente. Pelo contrário, a imagem imóvel possui freqüentemente uma carga informativa mais densa, permitindo entender a essência do movimento, a dinâmica de um gesto ou de uma expressão, sua beleza, sua simbólica.
       
Contudo, não é necessário exagerar a capacidade das seqüências fotográficas de restituir o desenvolvimento de um ritual. Verger tomou fotografias em série dos rituais, mas não necessariamente de maneira sistemática ou numa vontade de exaustividade. Ele estava consciente da impossibilidade de restituir por intimação o desenvolvimento e a dinâmica de um ritual, como poderia eventualmente fazê-lo um filme. Além disso, existem limitações técnicas do aparelho Rolleiflex: rebobinar a cada tomada, filme de 12 poses, impossibilidade de tiro em série.
Por isso, Verger não se obrigava a constituir seqüência completas. Graças a essas justaposições de fotografias apresentadas em série, o desenvolvimento do ritual é restituído numa dimensão que não é contínua, mas descontínua. 

       

Antes de se esforçar para constituir uma panóplia completa, ele procurava a imagem simbólica, representativa.  Por exemplo, nestas 4 fotos em seguidas tiradas do livro Dieux d’Afrique: se trata aqui [4 fotos, Benim, 1949] de uma seqüência do rito público Oma, um rito de expiação, resultado da violação de uma proibição relativa às divindades ou aos seus representantes. Aqui, uma iniciante engravidou durante o período de reclusão no convento (onde nenhuma relação sexual é autorizada), o que suscita reações coletivas indignadas, zombadoras e paródicas. Estas 4 imagens fortes, de forte carga estética, acompanhadas de suas legendas precisas, são suficientes para explicitar o ritual. 

O Orixá é um elemento da natureza, corresponde também a um arquétipo de personalidade (seguindo a própria interpretação de Verger), mas também represente um ancestre familial (sobretudo na África). Nas legendas dos seus álbuns mostrando pessoas em transe de possessão, Verger nunca fala dum “individuo possuído pelo orixá tal..”, mas ele fala em geral de “a personificação do Orixá tal “... ou ele cita o próprio nome do Orixá. i.e: é o próprio orixá que é representado nas fotos. Por exemplo nesta foto [foto de Ogun, Benim, 1948], podemos facilmente identificar o Orixá Ogun graças às seus símbolos representativos: o sino agogô ou adja e a faca (se fosse Xangô seria um duplo machado,  Oxum um espelho dourado, etc.). Mas é  também a expressão facial, a postura corporal do iniciado em transe, e mesmo, segundo algumas interpretações o tipo físico do iniciado, que nos permitem identificar o deus. Como si o arquétipo de personalidade da divindade, o seu caráter (Ogun, guerreiro e orgulhoso;  Xangô justiceiro e  viril, Oxum sedutora....), fosse  visíveis.
Além disso, devemos lembrar que, nas suas interações comuns, os orixás re-jogam as cenas, evocando assim os  episódios míticos e a vida das divindades (a briga entre Xangô e Ogun, o ciúme entre as mulheres de Xangô, Oxum e Yansã, etc.). 
Assim, o “arrêt-sur-image” fotográfico e as séries destas fotografias nos permitem de passar, para dizer assim, do novicio ao deus, do rito ao mito, do gesto a sua significação simbólica.  

Para concluir, vou mostrar um outro exemplo de foto simbólica e impactante [Foto sacrifício, Salvador 1947]. Nesta imagem feita em Salvador de Bahia, no terreiro do Pai Cosme, podemos ver um filho de santo, cheio de sangue sacrifical, com plumas de galinha de angola na cabeça e no pescoço, segurando a cabeça de um carneiro pela boca (ele está mordendo a artéria do bicho). 
A coisa estranha é que o olho do bicho é muito brilhante, parece realmente vivo, enquanto o olhar do homem é apagado, ele parece desmaiado...  Podemos ver essa foto como uma imagem emblemática.  Pois ela ilustra perfeitamente o princípio do sacrifício de substituição: a força vital do animal é tirada para o beneficio da pessoa que oferece o sacrifício.  Essa força vital é uma oferenda ao deus (o orixá incorporado no individuo possuído), e ao mesmo tempo é um meio para o adepto possuído adquirir um suplemento dessa indispensável energia mágica-religiosa. Assim, esta imagem ilustra um princípio fundamental do candomblé: a necessária circulação/redistribuição da energia sagrada ou força mágica, chamada axê.  

O documento fotográfico como suporte de interpretação museográfica

Simpósio “O documento fotográfico pesquisado: projetos museográficos e montagem de exposições”
14 de novembro de 2008 - 14h
Coordenação: Profa. Dra. Liliane Guterres (NAVISUAL UFRGS, UCS e UNILASALLE)
Palestrantes:
Ivo Canabarro (Unijuí) – “A utilização da fotografia para a construção do conhecimento histórico”
Rafael Devos (BIEV e NAVISUAL, UFRGS) - “Animando documentos: coleções de crônicas etnográficas em vídeo, animações de fotografias e material iconográfico com documentos sonoros na montagem de narrativas em hipermídia.”
Ceres Storchi (Arq. UFRGS) - “O documento fotográfico como suporte de interpretação museográfica”
Debatedora: Jeniffer Cuty (PROPUR/UFRGS) 

“O documento fotográfico como suporte de interpretação museográfica”
Ceres Storchi (Arq. UFRGS)



Bom eu gostaria em primeiro lugar de agradecer a oportunidade de estar aqui apresentando este trabalho e também ao público que está assistindo esta explanação. Eu sou arquiteta, trabalho com museografia, hoje a minha produção é 90% na área de museus, seja na área da arquitetura, de projetos para museus, ou na área de museografia, projeto de exposições e de museologia. Eu trabalho também com alguns museus no interior e nesses museus a gente tem que fazer o trabalho do museógrafo também, no sentido de orientar a preservação dos acervos, a manutenção, a guarda desses acervos, e o enriquecimento do material documental dessas instituições.

A construção narrativa, para nós, ela é uma estratégia de projeto. Eu vou sempre me referir a nós porque o trabalho de museografia é um trabalho de equipe, é um trabalho de idas e voltas dentro do projeto, em contato com curadores. Quase nunca somos curadores, mas também fazemos trabalho de curador. Eu trabalho com o Nico Rocha, tem outras pessoas que trabalham comigo, a Jeniffer já trabalhou também, em algumas exposições, fora a equipe das instituições que são preciosas para o nosso trabalho. Dentro das instituições a cooperação dos profissionais é fundamental para a riqueza do trabalho, para o sucesso do trabalho. Não só o sucesso no sentido do número de visitantes, mas o sucesso no sentido de que todos nós a cada trabalho precisamos crescer, eu não vou falar em método, mas precisamos enriquecer as formas de fazer. Eu sempre digo que em museografia não se tem um método. A construção vai acontecendo, e ela acontece de forma distinta a cada trabalho.

Bem, o assunto aqui é fotografia, então vocês imaginam, nessa diversidade de assuntos e de instituições que se trabalha, muitas vezes a gente chega num lugar e não tem nem acervo. Tem uma história para contar, um museu para criar e não tem acervo. E as pessoas elas não entendem o que é um museu, muitas pessoas não sabem o que é um museu, elas acham que o museu é um lugar para guardar coisas. E elas estão ganhando coisas que precisam ser guardadas. E na verdade não é difícil fazer entender, as pessoas, independente do seu contexto social e cultural, elas entendem com uma certa rapidez o que é o trabalho do museu e porque se faz museus. 

No trabalho de museografia, a fotografia entra de várias maneiras. Ela pode ser simplesmente a fotografia porque é uma exposição de fotografias, então se está expondo o trabalho de alguém ou uma documentação sobre alguma coisa não no sentido de contar a história dessa coisa, pode ser uma exposição da fotografia como objeto. Nós já fizemos algumas, fizemos a exposição do Chambí na 4ª Bienal, do Verger, do Leon Ferrari. O trabalho do Leon Ferrari é bem interessante porque ele trabalha a fotografia como fotografia, ele faz um trabalho interpretativo da fotografia ao compor o seu trabalho de artista e ele tem um acervo do pai dele. O Leon é um senhor idoso, e tem o trabalho de acervo do seu pai que também fotografava e que têm em seu acervo fotos de um fotógrafo napolitano, um fotógrafo do início do século XX. Então neste trabalho do Ferrari eram fotos de três fotógrafos e ainda tinha o trabalho de artista do Ferrari. Foi forte a presença da fotografia como um documento mesmo, tem imagens da cidade, não sei se vocês viram, tinha uma foto em 360º, uma imagem de um terremoto em Nápoles. Foi bem interessante, a gente propôs colocar em (???) e ele pediu que não fosse em 360º, ele tinha toda uma explicação, que era assim realmente a questão do movimento em relação à foto, ele conhecia milimetricamente o que era essa documentação. A relação da cidade toda demolida em cada grau dessa angulação.

Mas aqui, neste trabalho foi mostrado como fonte de inspiração, pode-se dizer, porque a gente faz a construção museográfica, tem a construção fotográfica dentro da construção museográfica, a construção narrativa neste todo museográfico, então a foto nesse processo, ela está desde a informação inicial ao trabalho até no caso o que se coloca frontalmente ao observador e a construção final no espaço físico.

A questão do arquiteto no projeto museográfico, vou falar um pouco sobre isso porque no meu mestrado eu trabalho esse espaço entre o tomar contato com a necessidade presente no trabalho, seja ela temática, é quase sempre um tema, mas ela pode não ser um tema, esta extensão que vai desse conhecimento do material, até a decisão ativa sobre o que se vai configurar fisicamente. Eu considero esse espaço um espaço de respeito e humildade diante do que se coloca, por quê? Tem um arquiteto trabalhando nisso, foi muito bom ter encontrado esse texto do Louis Kahn, um arquiteto americano que fez projetos na Índia. Para ele era muito importante também esta questão do lugar, essa questão do que se coloca, ele dizia “entender o que esta coisa quer ser”, e eu acho que esse espaço da espera para entender o que aquilo quer ser é um espaço necessário, e é um espaço que às vezes envolve muito tempo de contato, escuta e observação, contato com a equipe que participa. Em muitas exposições se tem antropólogos, sociólogos, historiadores, museologos, fotógrafos, pesquisadores de outras áreas, pesquisadores de história oral. Tudo isso compõe esse substrato que está nesse tempo e depois entra num outro status, todos entramos com outro status no tempo da configuração física.

Eu vou apresentar alguma coisa e eu vou colocando o que... vocês podem também depois dizer como viram isso, vocês talvez tenham um entendimento diferente de como isso se coloca. Bem, aí é um pouco isso que eu estava falando, depois eu vou apresentar todos estes itens pontualmente, mas eu montei um gráfico que é: a foto no processo, se ela é uma foto mesmo no processo original. Tem ali depois uma colocação que é em função do tema e de certas especificidades do tema, que contribui tematicamente para a construção do espaço. A fotografia então, como eu falei, está como estratégia de intervenção, não estou mostrando exposições de fotografia. Então no que eu chamo de construção fotográfica como um contexto de informação, um contexto de ambiência e uma narrativa fotográfica, num seqüencial de fotos que contam mesmo uma história, que depende de uma história para ser contada.

Como documento original: esta é uma exposição sobre imigração que tem documentos, é uma exposição montada com documentos escolhidos pelas próprias pessoas que são retratadas na exposição. E a construção museográfica então é a foto criando uma certa ambiência, filtrando no caso de pele e membrana, no sentido de fazer uma mudança de espaço, uma mudança de status para o observador. E depois como espacialização de idéias no tema.

Bem, aqui nestas imagens, é uma exposição de arqueologia, também da 4ª Bienal, a mesma que teve o Chambí. Nós tivemos contato com esse acervo, são três acervos fortemente presentes e aí tem alguns elementos de acervo da Universidade Federal de Pelotas, tem acervos de Santa Catarina, mas ele é basicamente Banco Santos, do ex-Banco Santos, um acervo maravilhoso, o acervo do Oscar Landmann, que é um acervo particular, e o acervo do MAI. Foi curada pelo Eduardo Neves, e a gente conheceu estas coleções nos locais onde elas eram guardadas, onde estavam sendo restauradas. Essa exposição tratava de três estágios de transcendência dentro dessas culturas, que era a cultura Marajoara, Chavín, Moche e Tapajônica, da cultura andina pré-incaica e a nossa Tapajônica e Marajoara. Tratava destes momentos de transcendência que foram registrados nestes objetos. 

O Eduardo identificou nestas culturas, que eles usavam bebidas e elementos alucinógenos durante rituais sociais, então essas figuras, nós criamos uma classificação destes momentos da transcendência, e dividimos a exposição sequencialmente nestes diferentes momentos. Essa serpente, essa sinuosa, também é um pouco dos relatos e de questões que identificamos na literatura. Na verdade vários elementos inspiram, porque quando você vê uma foto e quer saber, então vai atrás da escrita e quando você vê a escrita você vai atrás da foto. Porque a escrita é extremamente estimulante iconograficamente, porque a escrita realmente faz com que se crie muita coisa e quando nós temos a foto, nós precisamos de toda a escrita, porque a foto é mais rica quando se tem uma escrita a respeito dela. Essas fotos elas foram utilizadas como ferramentas de projeto, de interpretação, porque o nosso trabalho é muito interpretativo para a construção narrativa e se propõe na configuração espacial, se objetiva, o retorno desta interpretação, os espaços são configurados com vistas a este retorno.

Bem, nesse trabalho eu digo que são narrativas fotográficas originais por quê? Todos esses quadros ali que vocês vêem, tem onze instâncias, são onze pessoas. Essa exposição foi em Minas, no Museu Abílio Barreto, sobre imigração em Minas Gerais. Belo Horizonte viveu um surto de imigração para a construção da cidade como capital de Minas Gerais em alternativa a Vila Rica, que era a capital anteriormente. A primeira reunião sobre esse projeto foi com o conselho do museu, que era um conselho formado por pessoas da Universidade, da Prefeitura e de pesquisadores do próprio museu. Esse museu é um museu pequeno, mas tinha lá na época uma equipe de 35 pessoas, operantes. Duas conservadoras maravilhosas e equipe de pesquisa histórica. Quando nós pegamos o trabalho já estava andando uma pesquisa, nesse sentido de identificar estas pessoas. Porque tem vários lugares, eles têm essa tradição do bar de esquina, então tem vários bares que são de imigrantes, e muitos deles ainda vivos, filhos desses imigrantes que vieram. Até os anos 40 veio muita gente, e depois eles tiveram um surto quando da implantação da FIAT. Nós queríamos fazer também essa parte que era da vinda da FIAT, mas não tinha material, não tinha como fazer, tinha que ter organizado mais para o tempo que se tinha. 

Então ali, esses documentos são documentos escolhidos, as pessoas escolheram o que elas achavam que contava a sua história. E é muito interessante, porque é tão diverso, como é diferente a escolha de uma pessoa para outra. Esses nove eu considero que foram muito bem escolhidos porque não tem foto de festa, são fotos e documentos de momentos muito preciosos, momento em que foi preso durante a ditadura, momento em que escreveu uma determinada música, momento que criou o bar, momentos desse tipo. Podem ver que tem uma ali que é só documento, não tem foto, eu não lembro para dizer quem era, mas eu ajudei a montar essas coisas lá também... Depois voltando, essas são questões... o que se fez? Se colocou frontalmente a essas pessoas que no caso são parte da cidade hoje, questões históricas da cidade, mapas, fotos de Belo Horizonte, tem todo um mar de fotos da cidade, questões dessa ordem. Depois tem uma vitrine que nós chamamos de Nau, essa nau tem objetos destas pessoas. 



Eles ficaram muito chocados no conselho porque o Nico fez uma pergunta assim “vocês querem uma exposição de lencinho, ou uma exposição...”, de lencinho no sentido de carregar o lencinho porque as pessoas poderiam chorar, no sentido de ser emocionante. E um assim bem intelectual ficou muito chocado, “como assim emocionado...”, ele ficou realmente preocupado, ele fez uma pergunta assim “qual é o método de vocês”, porque imagina, leva umas pessoas daqui para Minas, para fazer uma exposição, ele achou “vai ser uma porcaria isso né”, porque, pensar em fazer as pessoas chorarem... Mas não é, é que se realmente é representativo, estas pessoas saíram de suas terras e vieram, tem que ser uma coisa emocionante, tem que ser algo que toque. Então esses objetos têm todos uma história que é realmente emocionante, essas pessoas escolhem o que é forte na vida delas. Tinha uma senhora japonesa que foi babá de uma família no Japão e veio com a família para cá e essas histórias eram as mais incríveis. Essas fotos que estão nas paredes também são fotos escolhidas por eles, então praticamente todo o material... o único material que é do museu é o material onde mostra Belo Horizonte. Então essas fotos aí como eu falei foram usadas no original e aí nós usamos, o único efeito de uso cenográfico, iconográfico das fotos é naquela pele da entrada, que são os tecidos altos em que se colocou vários... todo o acervo fotográfico que tinha no museu e algumas coisas que eles forneceram, mas basicamente o material fotográfico é todo original.

Bom, isso aí é numa construção de fotografia como base para informação, isso é na exposição Visões da Terra, que foi no Museu Universitário. Então temos uma foto de uma geleira e ali os dados de atmosfera, constituição da água e questões desse tipo, por quê? Por que essa foto do gelo? Porque se conhece muito pouco do que está abaixo dos nossos pés e o gelo ainda é uma forma de informação, sempre novos dados são obtido a partir da perfuração, informação da constituição da água, então por isso que tem essa... isso é quase uma estratigrafia, mas não, é uma geleira mesmo, uma foto de uma geleira. E aqui é uma foto da NASA, tem um astronauta, essa foto está falando sobre o espaço, sobre a conformação das camadas no espaço.

Essa é outra exposição no Museu Universitário, a Bere, que está ali, foi responsável pela pesquisa sobre o professor A. Schultz, então foi o nosso rico ambiente museológico, porque as exposições da UFRGS elas são de disseminação cultural, nas que eu fiz se teve um pouco de ambiente museológico no sentido convencional de reconstituição de determinado espaço. 

O professor Mariath, que era um dos curadores dessa exposição ele tinha guardado alguns, e tem no Instituto de Biociências o material que era do professor A. Schultz que foi o fundador do Instituto de Biociências. E uma coisa bonita aqui na UFRGS é que os professores, quando eles têm oportunidade eles homenageiam os seus mestres, botam nomes nas exposições, se preocupam em mostrar o material e guardar o material, isso é muito interessante, é um respeito pelo saber, pela construção do saber, acho que é uma idéia bem bonita de ser levada adiante, de se mostrar para quem ensina também. E a Bere fez a pesquisa sobre o professor A. Schultz e construímos esse ambiente, mas eu aqui estou falando por causa do uso da fotografia. 

O professor A. Schultz fazia estas viagens de campo, como muitos professores ainda fazem hoje, mas tem uma documentação fotográfica muito interessante sobre isso. Então lá está ele nessa balsa, essa foto é muito interessante porque parece que a gente vai entrar junto na balsa, nós usamos esse ambiente, e usamos na lateral. A nossa idéia era usar essa foto da balsa aqui, que era no corredor. Mas ela ficava tão forte que praticamente ela travava ali. Na verdade o corredor ele tinha os dois sentidos, um sentido que levava a observação desse ambiente da reconstituição do gabinete do professor Schultz, e do outro lado tinha uma linha de tempo da evolução do conhecimento da Biociência, tinha a história inclusive dos viajantes, porque essa exposição tratava de herbários, então tem os herbários, eles tratam até hoje com acervo que viaja e com documentação de desenhos e de fotos. Então o que se construiu? Usamos essa foto do ônibus para construir isso que era o A. Schultz. Tem os livrinhos dele de anotações, é precioso, a gente consegue ler esse material. E ele com o ônibus, esse ônibus era da UFRGS.

Bem, aqui então a gente tem uma construção fotográfica que foi para o Espaço Mercosul, em Montevidéu, que era de uma exposição sobre os cem anos do Érico Veríssimo. E é muito interessante porque o Érico ele tinha uma relação extremamente amigável com a fotografia, ele é muito fotografado, eu acho que ele gostava de ser fotografado, tem fotos feitas por ele, tem desenhos feitos por ele. Tem um desenho ali que é uma ilustração de uma carta dele, de quando ele morava nos Estados Unidos. Então tem um seqüencial narrativo, por ele próprio, porque todo o texto é texto do Érico. A curadora foi a Elizabeth Torresini e eu acho que ela vê no Érico um deus, acho que ela não teria coragem de escrever, é uma questão assim de... É impressionante como ela pescou todos estes textos que é ele mesmo contando, você lê toda a vida dele através da palavra dele próprio, e não poderia deixar de ser, eu acho que ela tem razão.

Essa é uma construção... fizemos uma exposição para o IPHAN, lá no sítio, em São Miguel, e eles pediram que se construísse uma imagem que fosse uma imagem de memória, uma imagem de devaneios da memória. Então nos forneceram um acervo grande, fotografias de vários períodos, tem um fragmento lá da ruína, eu acho que é um topo de coluna, é um topo de coluna.

Bem, esse trabalho eu acho que é talvez a coisa mais impressionante que tem para mostrar tendo em vista o tipo de trabalho que vocês fazem. Há bastante tempo atrás eu fiz um trabalho para o SEBRAE (???) e eles nos mandaram em vários lugares, eu e outra consultora da área de história e uma consultora da área de museologia, para identificar trabalhos que deveriam ser feitos em vários lugares da região. Então tinha museus, igrejas, escolas, coisas assim. Esse foi o único lugar que eu visitei na época, isso eu vou ter que contar porque isso são aqueles tapas na cara que a gente leva, enfim... tem que avançar. Eu fiz um relatório dizendo que não valia a pena investir e fazer nada nesse lugar, eu tenho esse relatório escrito por mim e assinado. Aí um dia nos chamaram para ir exatamente neste lugar e eu mandei por e-mail o relatório, de novo. Eles chamaram assim, nós Tangram né, a empresa, nada a ver com o SEBRAE. Porque eles tinham recebido, o prefeito ganhou uma verba parlamentar para usar nesse lugar, do Ministério da Cultura, e o grande problema era que tinha que usar com cultura. E aí imagina, essa cidadezinha, como eles mesmo dizem, nem paróquia mais é. Tem uma igreja linda e vai um padre uma vez por semana, então eles tem uma mágoa enorme que o padre vai só uma vez por semana, rapidamente para rezar uma missa lá nessa igreja.



Essa edificação que tem lá era o colégio das freiras. E quando eu fui não tinha telhado, tudo caído, o acervo na chuva, tudo rachado, assim uma coisa impressionante. O que dava para fazer era “protege esse acervo”, era só o que dava para dizer e bem complicado porque coisas boas e bem comprometidas. Então quando nos chamaram de novo, fomos lá e eles tinham recuperado essa casa. Eu digo recuperado porque não dá para dizer que é restauração, foi uma coisa assim feita... as janelas não estão bem vedadas, as portas não são bem vedadas, mas digamos foi feito uma higienização, pintura, solidificação de coisas que estavam caindo, esse tipo de intervenção. E aí nós fomos, eu e o Nico, e como se diz, estávamos num beco sem saída. O acervo, enquanto fizeram a recuperação esse acervo ficou jogado, tinha até sujeira de porcos, nós temos fotos disso. Viemos de lá apavorados “e agora o que vamos fazer”, porque ninguém quer se ver associado a uma ação de abandono, a gente foge de situações assim. 

E aí se começou o trabalho e um dia o prefeito disse “Ceres eu preciso que tu venhas à noite porque agora já é época e eles estão plantando e eu preciso que alguém convença essa comunidade que esse dinheiro tem que ser usado nisso”. Porque realmente eles não podem usar em outra coisa, e as pessoas, vereadores, as pessoas acham que tem que fazer estrada, comprar máquina, porque realmente eles precisam de estrada, precisam de máquinas, e o dinheiro do Ministério da Cultura tem que ser usado naquilo ali. Então eu fui uma noite e expliquei, apresentei o projeto, disse o que iria fazer e surpreendentemente essas pessoas da comunidade, essa comunidade são... que moram lá eu acho que oito casas espalhadas talvez em 10, 15 Km, e eles mesmos já começaram também a projetar. Falei que queria usar uma casa, a foto de uma casa, coloquei mais ou menos qual era a intenção, e aí eles prontamente já foram escolhendo, ajudando a escolher a paisagem, escolher a casa, tudo né, isso foi bem interessante. E a montagem depois foi mais interessante ainda porque eles entravam e diziam, “isso não pode estar assim, isso tem que estar assado”. Cinco dias, todo mundo participou, iam depois do horário do plantio, porque já era primavera, as roças estavam andando então vinham, horário de verão, vinham tarde para participar. 

Bem, então o que a gente tinha lá? Tinha algum relato deles, que era da época do SEBRAE, entrevistas que a Naida Menezes fez, várias entrevistas. Tem lá na região um centro de genealogia, nós fomos para o centro de genealogia, que esse padre, ele fez caixas das famílias, ele tem aquelas caixas de camisa com fotos das famílias, mas ele fez de muitas famílias. Ele fazia isso sozinho, então ele batia a história... acho que porque não tinha papel, ele batia atrás de embalagens com aquela letrinha que é a letrinha da máquina quando a gente dava aquele tipo de (???) que era a letrinha que ficava por primeiro, segundo, que nem o azinho, ele fazia tudo na letrinha pequenininha e tudo junto os relatos, tem isso tudo escrito, sendo digitalizado. 

Na exposição se usou uma casa, um ambiente tem essa casa, que é uma casa que existe, e eles moram naquela casa que aparece no cantinho e essa casa está do lado, usam de celeiro, é uma casa linda, olha só. Então depois se colocou essas figuras para compor e depois em uma outra sala nós decidimos trabalhar com a imagem que mostra as pessoas hoje, porque achamos que era mais representativo. O acervo foi em grande parte recuperado para colocarmos na exposição, tem uma foto de um senhor trabalhado nuns bancos, tem bancos para fazer tamanco, tem bancos para fazer várias coisas, material de carpintaria, praticamente tem todo o material de construção de casas e de lavoura, e outro material que é da história das famílias, então se deixou só essas fotos como elas são, essas fotos em álbuns. O painel estava vazio, porque acho que essa história tem que ser melhor pesquisada, não nos sentimos no direito de eleger famílias para o painel, então montamos álbuns com essas fotos e eles se vêem nestas fotos.